Texto que publiquei ano passado no blogue gaúcho Impedimento. Vídeo do jogo pode ser visto no meu post de ontem.
Nunca antes na história deste estadinho esperou-se tanto por um clássico como por esse de domingo. Por mais que Avaí e Figueirense tivessem se enfrentado duas vezes no longínquo brasileirão de 1976 (uma vitória por 1 a 0 para cada um), na prática esse foi o primeiro confronto válido por um campeonato que reúne a elite do futebol nacional. E quiseram todos os bruxos e bruxas da Ilha da Magia que o clássico de maior visibilidade da história dos futebol mané fosse um jogo simplesmente fenomenal, em que o time que teve 30 finalizações, 57% de posse de bola, dois gols e um pênalti a favor, perdeu.
Não fossem os deuses do futebol esses brincalhões que são, eu poderia estar agora escrevendo sobre uma vitória de 5×1 do Figueirense. As estatísticas do time de Jorginho, que faz sólida campanha na Série A (está em décimo), são impressionantes – como disse, 30 finalizações (contra 12 do Avaí, menos da metade, portanto) e 57% de posse de bola. Mas há uma, e somente uma, estatística que importa no futebol: quantos gols cada time fez. O placar não reflete o que foi a partida – o Avaí foi amplamente dominado o tempo todo -, mas… quem se importa?
O Figueira abriu o placar com Ygor, de cabeça, aos 18 minutos. Seis minutinhos depois, poderia ter ampliado e, quiçá (palavra mais bonita da língua portuguesa, à frente de assaz e de deveras) aberto caminho para a “goleada histórica” anunciada por alguns de seus torcedores e outros profetas do apocalipse durante toda a semana. Mas Júlio César perdeu o pênalti.
Nessas horas a gente vê como o futebol é às vezes muito mais mente do que tática ou técnica. De um time completamente apático e derrotado mesmo antes do apito inicial, o Avaí encheu-se de brios e passou, depois do pênalti perdido pelo querido Júlio César, a encurralar o adversário. Conseguiu o empate na trigésima oitava volta do ponteiro, com gol de cabeça de Lincoln (que antes de ser jogador ganhava a vida fazendo cover de Douglas Ceconello), o estreante da noite. Buenas, mas como vida de avaiano nunca é fácil, claro que não poderíamos ir para o intervalo com o empate, mesmo tendo equilibrado o confronto. No último minuto da primeira etapa, Júlio César teve que chutar três vezes pra fazer um gol – não porque ele seja ruim, claro, é um excelente jogador e nosso ídolo.
Comemora, Júlio César, comemora…
Aí o mesmo filme de 18 rodadas anteriores passou por esta cabecinha – e pela de muitos avaianos, com certeza – durante os 15 minutos do intervalo. Esse time tosco e perdedor voltaria pro segundo tempo apático, como sempre, e levaria mais uma surra. Na volta do intervalo, constatei que é verdadeiro aquele ditado que diz assim: quando menos se espera… é que não surge nada mesmo. Os primeiros 13 minutos foram, como previsto, de um domínio constrangedor (para nós, claro) do lado alvinegro da Força. A vaca poderia ter ido com corda e tudo se Júlio César, sempre ele, não desperdiçasse chance claríssima, cara a cara com meu xará Felipe. Em vez de fazer o que fariam jogadores menos geniais, o camisa 11 do Scarpelli tentou fazer gol por cobertura. Perdeu. De novo.
A bola pune, já diz aquele técnico ranzinza que ergue uma tacinha ou outra de vez em quando. E Deus pode perdoar, mas William, não. Não riam, gremistas. O Batoré é o cara mais fodástico dos clássicos em 2011. Já fez quatro gols em quatro jogos, todos no Scarpelli. O terceiro deles, aos 14 minutos, colocou uma igualdade no placar que nem de longe refletia o que era o jogo. “Agora vai, vamos virar essa porcaria!”. Que nada. O placar mudou; a partida, não. O querido Júlio César ganhou a companhia de Somália, aquele mesmo, que se auto-apelidou de Showmália quando concedeu sua primeira entrevista como jogador do Figueirense.
Tá lá um goleiro estendido no chão!
Júlio César e Showmália perderam chances claras de fazer o terceiro gol alvinegro. Tava tão fácil que até os zagueiros Edson Silva e João Paulo foram ao ataque e também desperdiçaram oportunidades. Percebi que a sorte estava do nosso lado em dois lances em que um ser de 1,91m de muita raça e pouca técnica chamado Gustavo Bastos salvou em cima da linha o que seria o gol deles. Até a trave, este ser inanimado capaz de definir uma partida de futebol (pode bater e entrar ou bater e sair…), salvou-nos também. E eles foram perdendo gols. E perdendo gols. E perdendo gols…
Aí, meus amigos, ocorreu o lance em que comprovei meus poderes paranormais. Diogo Orlando, aquele, o amigo do Evandro Mesquita, fez jogada pela direta e recebeu falta. Vinha chuveirinho na área alvinegra. Nesse exato momento, lembrei e comentei com o camarada que estava em pé ao meu lado (assistir jogo sentado é para os fracos), o qual nunca havia visto na vida, a semelhança daquele lance com o do segundo gol de nossa vitória por 2 a 0 no clássico do estadual. Naquela noite, Diogo Orlando não ganhou uma falta, mas sim um escanteio pela direita. No cruzamento de Marquinhos, esse do Grêmio, o colombiano Estrada fez o gol. Era evidente que ia sair gol de novo, dada a semelhança dos lances. “Vai ser gol. Tenha certeza. É agora!”, disse eu essas palavras, que acredito serem inéditas em se tratando de um torcedor de futebol.
Romano, aquele que tanto elogiei no texto de Avaí 1×3 Inter, cobrou a falta. A bola foi lentamente chegando à área. Lentamente, a mal posicionada zaga do Figueirense tentava se decidir se pedia impedimento do William ou se pulava pra tentar afastar a bola. Lentamente, o Batoré pulou e só raspou o cucuruto na bola. Lentamente, ela quicou no gramado e encaminhou-se para o canto direito da meta defendida por Wilson. O goleiro lentamente atirou-se, esticou-se, mas não conseguiu alcançar a bola que, lentamente, morreu no fundo das redes.
Para quem estava no estádio, esse lance durou a eternidade de dois segundos dentro de campo e certamente durará muitos anos nas mesas de bar, nos debates esportivos, nas redes sociais virtuais e onde mais possa se discutir as histórias do clássico manezinho. Foi o lance que definiu a vitória do mais fraco sobre o mais forte, do visitante sobre o local, do time que passou o turno inteiro na zona de rebaixamento sobre a equipe que já derrotou Santos, Cruzeiro, Botafogo e Corinthians, no clássico mais esperado entre os quase 400 que Avaí e Figueirense já disputaram.
Tirando a euforia pela vitória e a gozação pra cima do Freguesense, digo, Figueirense, há que se ressaltar a qualidade do espetáculo transmitido para todo o Brasil pela TV a cabo, algo com o qual não estamos acostumados. Foi legal pra mostrar ao País um pouco do que é o maior clássico de Santa Catarina.
Avaí x Figueirense = futebol-arte
As fotos são do ClicRBS, pela ordem, de: Flávio Neves, Alvarélio Kurossu, Charles Guerra, Alvarélio Kurossu e Flávio Neves.